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Como o estudante analisa o retorno das aulas presenciais na Universidade Federal do Piauí

Na tarde do dia 22 de novembro de 2021, o grupo de discentes de jornalismo entrevistou Karla Luz. Esse diálogo teve, como temática, a visão estudantil acerca do retorno das aulas presenciais na Universidade Federal do Piauí (Ufpi). A entrevista abordou, também, pontos financeiros, sanitários e estudantis.

Karla Luz é acadêmica em jornalismo na Universidade Federal do Piauí (Ufpi), já cursou ciências políticas, é militante do movimento Rua Piauí: juventude anticapitalista e faz parte da gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufpi.

Karla Luz, estudante e militante

Karla Luz, estudante e militante

O primeiro tópico a ser debatido foi em relação à volta das aulas, no modo presencial, no primeiro semestre de 2022; à atividade do Restaurante Universitário (RU) e da residência pedagógica; à questão sanitária e à estrutura financeira da Universidade.

Grupo - Para você, é favorável o retorno das aulas presenciais no primeiro semestre do ano que vem?

Karla Luz - Existem duas preocupações em torno disso: a primeira com os estudantes, pois estão há muito tempo no modelo remoto. Esses estudantes têm uma dificuldade de acesso à conectividade, de acompanhar todos os debates feitos pela tela do computador (...) E também existem estudantes que tiveram que se readequarem a este novo momento; primeiramente em relação à atual conjuntura do Brasil, em que a gente está vivendo o maior nível de desemprego de todos os anos (...) Então, as famílias, que antes os pais podiam sustentar a casa, hoje não conseguem mais, e os estudantes passaram a ter uma segunda demanda: o trabalho, com isso o retorno poderia prejudicá-los.

Grupo - Devem ser levados em consideração os serviços, como a questão sanitária, o restaurante universitário e a residência pedagógica, com o retorno das aulas presenciais? Por quê?

Karla Luz - Sem dúvidas devem ser considerados, porque o princípio da Universidade é formado sobre um tripé: pesquisa, ensino e extensão. Não é só estudar e passar nas matérias, você [estudante] também tem que formular para a sociedade (...) Então, como esses estudantes terão capacidade de estudar, de produzir esse retorno e de garantir um futuro para si mesmo se eles não conseguem se alimentar dentro de um curso integral, sendo que a UFPI é a universidade mais barata do Brasil em relação à alimentação, ou se eles não têm como morar na cidade em que estudam? (...) Para nós [do Conselho Estudantil], é inadmissível que a Universidade volte sem garantir direitos aos estudantes, isso seria como voltar no tempo e retroceder todos os direitos conquistados até o momento.

Grupo - Em relação à segurança sanitária, a Ufpi terá estrutura financeira o suficiente para realizar a frequente manutenção de álcool em gel, de máscaras faciais e de sabão nos banheiros para seus estudantes e funcionários?

Karla Luz - O que sabemos é que, na Ufpi, os funcionários de limpeza e de manutenção são terceirizados. Desses funcionários, 90% foram “cortados” assim que a pandemia começou, sob a desculpa de que, como a universidade iria parar, então não precisava de muita gente na manutenção (...) Provavelmente, a Ufpi teria que contratar um outro quadro de funcionários terceirizados para garantir essa limpeza e manutenção, o que é muito difícil, porque financeiramente ela está “quebrada”, não tem dinheiro para energia e nem para as coisas mais básicas, então como que irão contratar esses funcionários novamente? Eu acredito, veementemente, que não têm condições disso acontecer, como eles estão querendo colocar não é viável.

A pauta sobre o impacto dessa decisão da reitoria ao retorno presencial na comunidade acadêmica foi a seguinte a ser discutida na entrevista. Nela se analisou, também, o diálogo da reitoria com o corpo estudantil e a atual situação do transporte público de Teresina.

Grupo - Há uma relação dialógica entre a Pró-reitoria da Ufpi e a comunidade acadêmica para que a conjuntura estudantil seja levada em consideração na decisão da volta das aulas presenciais?

Karla Luz - Esse é um debate feito recentemente, o DCE da Universidade se reuniu com 21 centro acadêmicos, e nenhum desses vinte e um cursos tiveram acesso a essa informação ou sequer puderam opinar sobre o retorno das aulas presenciais. Não existe diálogo, o reitor e a Gestão Superior não estão abrindo o debate e muito menos abrindo mecanismos para que se tenha uma diálogo com os estudantes neste momento, o que é grave; porque como a universidade é composta, majoritariamente, por estudantes não há um diálogo com quem mais será afetado diariamente (...) Não vemos um informe no perfil do Instagram da Ufpi e nem uma notícia em seu portal, só vemos o autoproclamamento e construção do reitor, dizendo o que ele fez. Mas ninguém sabe de nada sobre os problemas reais que passamos.

Grupo - Devido a falta de ônibus em Teresina, os estudantes se prejudicariam ainda mais com a volta das aulas na modalidade presencial?

Karla Luz - Hoje, o DCE da Ufpi e da Uespi estão participando do fórum do transporte público teresinense e da auditoria popular, pois entendemos que não tem condições de voltar presencial sem ônibus. Nem todo mundo tem condições financeiras de pagar carro por aplicativo todos os dias. Então estamos nos deparando com dois processos: o financeiro e o transporte público. Estamos lutando por esses dois direitos; mas, até agora, a Prefeitura de Teresina não faz sua parte de pagar o SETUT [Sindicato das Empresas de Transporte Urbanos de Passageiros de Teresina]. Se retornar com o transporte do jeito que está, a Universidade terá que adotar algumas medidas, como não reprovar o aluno por falta ou abrir um Auxílio Transporte, pois senão não adianta.

A questão sobre o atual e precário cenário financeiro da Universidade Federal do Piauí também foi discutida durante a entrevista realizada. Consigo foi elencado a contribuição governamental com seus constantes cortes nas diretrizes orçamentárias direcionadas ao ensino.

Grupo - O Governo Federal sinaliza retomar o direcionamento do mesmo valor orçamentário às universidades com a vinda das aulas presenciais?

Karla Luz - Para ser sincera, esse é um problema não só do governo Bolsonaro, mas desde o governo Temer. Foi aprovado a PEC 55 que congelava os gastos para educação, saúde e em outras áreas por 20 anos, ou seja, a verba não iria ser modificada, todo ano teria a mesma quantia (...) o governo atual só piorou isso, começou a cortar na educação por causa de seus outros projetos. O que sabemos é que saiu uma normativa, no dia 15 de outubro, do ministro da economia, Paulo Guedes, que recomendava a volta das administrações superiores presenciais, mas não dava orientação sobre a verba. Pelo que entendemos, não existe reajuste para o aumento de verba.

Por fim, foi discorrido acerca das rotas alternativas adotadas pela reitoria ufpiana para manobrar a contradição entre o baixo rendimento orçamentário e a volta das aulas de forma presencial.

Grupo - Quais os possíveis benefícios e malefícios que os caminhos adotados pela gestão da Ufpi, para contornar os cortes de verbas, proporcionarão à comunidade acadêmica?

Karla Luz - Vamos começar entendendo o que é esse cenário confuso e bagunçado, que a Universidade está agora: a Ufpi sofreu um corte de R$ 18 milhões este ano, o maior corte em oito anos. É uma crise que foi feita porque quem decidiu cortar a verba da educação não foram os estudantes nem os professores e nem a administração, e sim o Governo Federal. Foi uma das pastas mais cortadas durante seu governo, e nós [estudantes] não vamos pagar por essa crise, nós vamos reivindicar os nossos direitos para que tenhamos uma universidade pública, gratuita e de qualidade; porque não adianta termos uma universidade pública, mas sucateada e “caindo aos pedaços”, nós queremos uma universidade de qualidade. Esse problema de crise não é culpa dos estudantes, é culpa do governo, pois foi ele quem decidiu isso, e o Gildásio Guedes, como tem o rabo preso com o governo, não manifesta nenhum interesse em bater de frente, como fazem a Ufrj e a UFC.

Texto: Fabrício Freitas (em grupo)