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E se nossos direitos não fossem garantidos?

Movimentos sociais: sem grande reconhecimento, mas que luta pelos direitos coletivos

Nas últimas décadas, os movimentos sociais obtiveram um disparo em seu crescimento dentro e fora do Brasil. Essa ascensão promove a diversificação de suas bandeiras defendidas e consegue englobar mais demandas sociais. No entanto, pouco se discute e se sabe sobre a trajetória histórica de formação, de luta e de conquistas dessa comunidade.

Segundo artigos publicados pelo site SciELO, o estopim, para o crescente aumento dos movimentos sociais no país, deu-se a partir do século XIX. Esse começo, embora de grande importância para a construção da cidadania sociopolítica nacional, centralizou-se em atos e coletivos desorganizados e desprovidos do estabelecimento de uma base de princípios políticos.

“O século XIX pode ser exemplarmente citado como o século em que os movimentos sociais emergem na história brasileira como fenômenos sociais abrangentes (...) fundamentais para a construção da cidadania sociopolítica do país. Cabe ressaltar que os movimentos sociais do período constituíam motins caóticos, sem uma plataforma político-ideológica bem delineada e giravam em torno da construção de espaços nacionais”, afirma.

O advento do século XX fez com que esses movimentos sociais formulassem suas estruturas de base, além de ampliarem seus mecanismos de organização em oposição a regimes ditatoriais. Esse aprimoramento fez com que suas reivindicações ganhassem maior visibilidade sociopolítica.

“No fim da década de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição aos regimes militares (...) O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988”, pontua o site.

Antes de se discutir acerca dos alicerces constituintes dos atuais movimentos sociais, é necessário que primeiro se tenha a compreensão de seu conceito. Para isso, foi realizada uma entrevista com o estudante de psicologia da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), João Victor, o qual traz sua raiz histórica.

“Historicamente, [o movimento social] é uma expressão das populações marginalizadas, dos proletários, das mulheres, dos ex-escravizados, da população negra que, ainda hoje, é marginalizada; são pessoas que ficaram à margem do ‘desenvolvimento’, da política e da conquista de direitos. Diante disso, há uma organização dessas pessoas dentro de um coletivo para centralizar essas questões e defender essas populações [as minorias], como o movimento feminista e o movimento negro”, define.

Como complemento, Karla Luz, estudante de jornalismo da Universidade Federal do Piauí (Ufpi) e militante do movimento Rua, acrescenta o princípio-chave que permeia essa comunidade. “O princípio básico dos movimentos sociais é em prol à coletividade”, afirma.

Outro ponto crucial, para o entendimento da estrutura dos movimentos sociais, é em relação a sua importância no meio civil. Esse aspecto foi explicado por Ana Clara, estudante de direito da Uespi e componente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da mesma instituição, a qual destaca a garantia dos direitos aos grupos minoritários.

“Os movimentos sociais existem para garantir que as pessoas às margens da sociedade sejam ouvidas, que tenham seus direitos assegurados e até quando esses direitos são violados”, declara.

O papel dos movimentos sociais é mais um tópico a ser depreendido, a fim que se tenha uma análise aprofundada de sua conduta. Para isso, Karla Luz prossegue seu discurso esclarecendo tal questão, a qual enfatiza a sua frequente reinvenção.

“Estamos lutando muito para que a geração futura tenha que lutar menos, até que a sociedade seja transformada por um todo. Então, enquanto não chegamos a esse objetivo, estamos aqui lutando. O papel do movimento social é se reinventar e continuar tocando isso”, explica.

E finaliza seu discurso mencionando alguns dos inúmeros direitos conquistados e direcionados à população em virtude das lutas históricas dos movimentos sociais.

“Conseguimos o direito ao voto dos analfabetos, fazendo com que as eleições não fossem tão elitistas; o direito ao voto das mulheres na década de 1930; o direito às mulheres participarem da política e à trabalharem (...) a comunidade lgbtqia+ conseguiu o direito ao casamento, o direito à moradia, à educação, à saúde e ao transporte público”, conclui.

Com a chegada e a popularização da internet, as bandeiras defendidas se pluralizaram. Entretanto, todas possuem uma ligação de união quando se discute sobre específicas atitudes governamentais, como afirma Thays Dias, estudante de História da Ufpi e componente do DCE da mesma instituição.

“O que une muito é a própria luta, os ataques de governos contra a educação ou contra uma das bandeiras, isso faz com que a gente se junte”, declara.

Dias prossegue sua fala discorrendo acerca da imprescindível divisão, que é instruída aos integrantes dos grupos de manifestantes, entre vida pessoal e vida dentro do movimento. “Os líderes conversam entre si e chegam em um acordo para evitar discussões que possam acabar destruindo o movimento, pois precisa existir respeito político entre cada um dos membros dos coletivos”, afirma.

Além disso, para que essas organizações se mantenham pacíficas entre si, é essencial que seja cultivada a democracia em seu interior, como o exemplo mencionado por Ana Clara. “[No movimento Rua] não existe hierarquia da pessoa, que está na coordenação ou nos espaços de direção, decidir tudo por si. A gente pauta essa horizontalidade em que o debate seja feito coletivamente, e todas as decisões são coletivas também”, afirma.

A divergência entre coletivos é, constantemente, debatida pelos grupos de manifestantes, a qual, quando promovida, dá-se em decorrência a um singular fator, como comenta Maria Antônia, estudante de ciências sociais da Uespi e integrante do DCE da mesma instituição. “A divergência acontece, mas acontece no que diz respeito à metodologia de como chegar em determinados objetivos”, declara.

Antônia continua seu discurso examinando a conquista dos movimentos sociais de estarem presentes em espaços políticos burocráticos para a disputa de decisões coletivas. “Quando conseguimos acessar entidades, conseguimos também travar um pouco de rachaduras nas estruturas burocráticas que existem no processo. Por exemplo, os DCEs têm um recurso que outros coletivos não possuem, temos a oportunidade de estar em espaços burocráticos e disputar algumas questões burocráticas”, acrescenta.

Quando questionada acerca dos mecanismos adotados pelos coletivos a fim de buscar novos integrantes, Antônia destaca o uso das redes sociais para isso. “Temos usado muito as estratégias de rede, e acho que não só a gente. As redes têm esse porte de apoio por meio de formulários, divulgando os espaços virtuais e o coletivo, além de explicar o que ele defende; fazer uma reunião pelo meet para convencer as pessoas ou chamar para conversar sobre”, aponta.

Por fim, a estudante de ciências sociais discorre sobre o contato entre os diferentes grupos de manifestantes com o impacto do isolamento social proporcionado pela pandemia da Covid-19. “Está difícil, mas acho que tem uma pontuação que é a reaprendizagem a fazer, a pandemia exigiu isso da gente. Eu não aprendi a organizar movimento estudantil pelas redes sociais, por exemplo; mas houve um distanciamento que esse período trouxe, então, a gente precisou agarrar isso da melhor maneira possível, precisou se utilizar desse instrumento para conseguir chegar às pessoas”, conclui.

Texto: Fabrício Freitas (em grupo)