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Filtros de imagem nas redes sociais: efeitos modeladores que nutrem a dismorfia entre jovens

O conjunto de alterações ofertados pelas edições instantâneas fomenta na nova modalidade da prática do racismo

A história mitológica de Narciso retrata sobre um jovem vaidoso que possuía o rosto e o corpo belo, os quais fizeram com que ele desprezasse diversas pretendentes e se encantasse por si mesmo ao observar seu reflexo na beira de um rio. A história difundida na Grécia Antiga é evidenciada atualmente nas postagens do mundo cibernético, publicações essas que não refletem a realidade imagética dos seus usuários, uma vez que esta é manipulada por meio de filtros que distorcem os traços específicos dos indivíduos. Portanto, depreende-se que tais efeitos incentivam a perversa atividade do racismo, além de incentivarem o aumento de cirurgias plásticas entre jovens.

É sabido que o mundo digital faz parte da rotina da maioria dos brasileiros e que o país encontra-se na quinta posição do ranking mundial de nações que mais usam internet, segundo dados divulgados pelo governo federal. Sob essa pesquisa, torna-se notória a alta utilização das redes sociais pela sociedade, sobretudo pela comunidade infanto-juvenil. Esse espaço reservado para que possamos interagir uns com os outros influencia a nossa construção e percepção de beleza por intermédio da mais recente ferramenta e variedade de filtros, os quais alteram não só a luminosidade e a nitidez da foto como também aumentam os olhos, aumentam os lábios, modificam a forma do rosto, limpam e clareiam a pele, afinam o nariz, dentre outras deturpações.

Tais ferramentas estão facilmente disponíveis nas plataformas de interação social, como Facebook, Snapchat, Instagram e TikTok. Além disso, o seu uso, para a publicação de fotos e vídeos sem a respectiva identificação de tal modificação, faz com que a população juvenil procure encaixar-se nesses padrões de “perfeição” dentro e fora das telas do celular, e essa incessante busca impulsiona tanto o menosprezo à cor da pele e às características faciais dos descendentes afrobrasileiros quanto o disparo por demanda de procedimentos estéticos, como rinoplastia, harmonização facial, preenchimento labial, tratamentos químicos para embranquecer a pele, etc. Isso sem contar com o agravamento do suicídio entre jovens.

Como comprovação das afirmações aludidas, traz-se estudos, como o da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o qual estima um aumento de 177% no número de procedimentos estéticos e reparadores realizados no país entre 2008 e 2018. Entre adolescentes de até 18 anos, o número chega a 115 mil cirurgias plásticas por ano.

Há também o estudo realizado por cirurgiões da Academia Americana de Plástica Facial e Cirurgia Reconstrutiva, o qual mostra que 72% deles foram procurados por pacientes que queriam realizar procedimentos para ter uma melhor aparência em selfies no ano de 2019, um aumento de 15% em relação à pesquisa feita em 2018.

Em um país cuja a maioria de sua população é constituída por negros, os quais possuem o fenótipo do nariz ou arredondado ou achatado, a dismorfia e a autonegação da aparência entre adolescentes e jovens adultos fazem com que eles não distinguem os limites entre o real e o virtual daquilo que veem nas redes sociais. Por isso, torturam-se para atingir a “imagem ideal” que, muitas vezes, existe somente em decorrência dos programas de edição.

Para tanto, evidencia-se que as ferramentas de filtros de aparência oferecidas pelas plataformas de contato e comunicação social são propagadoras do racismo, já que fazem uso da alteração facial dos traços característicos da etnia afrobrasileira. Essa ilusória perfeição se desdobra no alarmante aumento de cirurgias plásticas e também do suicídio quando não se consegue atingir o padrão imposto para, assim, viver como Narciso: apaixonado por seu próprio reflexo.